quarta-feira, 7 de maio de 2008

Marcha da Maconha 2008

É preciso rever nossos valores.

Fiquei indignada porque não compareci a marcha da maconha, que não teve. Poderia ser mais uma ali no meio, fumando um cigarrinho (Carlton mesmo) na Praça do Campo Grande e esperar o tempo passar.

Como pode uma juíza de direito ir contra a Constituição Federal? E a nossa liberdade de expressão como fica? Não se trata apenas de ser a favor ou contra uma causa, mas o fato se deve que a marcha é uma manifestação como qualquer outra aonde as pessoas vão ao encontro daquilo que elas acreditam que é certo, marcham em pró da democracia. Vergonhoso ainda mais em saber que essa juíza baiana deu exemplo a outros 8 juízes em suas cidades.

O consumo da erva com moderação há anos já é permitido na Holanda, onde um usuário pode comprá-la e consumi-la num coffee shop, apenas. Além disso, a legalização traz inúmeros benefícios à sociedade como o enfraquecimento do poder paralelo, logo a diminuição da violência. Além de não expor o usuário a freqüentar uma boca só porque ele gosta de “queimar um fumo”, parte das crianças envolvidas no tráfico estariam fora dessa cadeia.

E o que vem por trás disso? A mídia, claro. A mídia é o verme mor da sociedade brasileira, a mídia ridiculariza não só nossos hábitos como nossos conceitos. A história da maconha é levianamente corrompida pelos interesses comerciais e os interessados na questão continuam cercando nossa individualidade e liberdade. Ai. O dono da Ambev e seus ricos acionistas devem ter adorado essa proibição da marcha não é mesmo?

Uma amiga minha, assistente social de uma delegacia feminina, diz que não é a favor da legalização e me conta que quase que 100% presas já apanharam do marido ou pai sobre o uso de álcool, crack e cocaína. Perguntei a ela: e aqueles maridos que só davam um ‘tapinha’? Esse não bate, me respondeu rindo. Droga não é farinha do mesmo saco, disse eu, e eu nunca vi falar de um maconheiro que virou esquizofrênico, apesar de alguns médicos baterem nessa tecla, rebato porque não tem comprovação científica alguma e conheço o ‘meio’ bastante.

Em meio de tanta hipocrisia me inteirei mais sobre o movimento pró-maconha. A marcha acontece em várias cidades de todo o mundo no mesmo dia e data, primeiro domingo de maio – quase um dia das mães. E ano que vem, embargado ou não, estarei lá. E, para os tímidos, levarei máscaras de Gilberto Gil, Bezerra da Silva, Fernando Gabeira, Sérgio Cabral Filho, Marcelo D2, Chico Buarque e, para as mulheres, Luana Piovanni.

O movimento pela legalização da maconha é, essencialmente, um movimento que luta por justiça, bem-estar social, preservação dos direitos individuais e pela paz.

domingo, 13 de abril de 2008

O Ritual do Corpo entre os Sonacirema

Todas as culturas possuem uma configuração particular, um estilo. Freqüentemente, um determinado valor central ou uma forma de perceber o mundo deixam suas marcas em várias instituições da sociedade. Neste artigo, Horace Minner demonstra que “atitudes quanto ao corpo” têm influência generalizada em muitas instituições da sociedade Sonacirema. As crenças e práticas mágicas deste povo apresentam aspectos tão pouco usuais, que nos parece importante descrevê-las como exemplos dos extremos a que o comportamento humano pode chegar.

Embora, há mais de vinte anos, o Prof. Linton já tivesse chamado a atenção dos antropólogos para o complexo ritual dos Sonacirema, a cultura deste povo ainda é pouco compreendida. Eles constituem um grupo norte-americano que vive no território que se estende entre os Cree, do Canadá, aos Yaqui e Tarahumara, do México, e aos Caribe e Aruque, das Antilhas. Pouco se sabe quanto à sua origem, embora a tradição mística afirme que eles vieram do leste.

A cultura Sonacirema se caracteriza por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que se beneficiou de um ‘habitat’ natural muito rico. Embora, nesta sociedade, a maior parte do tempo das pessoas seja devotada à ocupação econômica, uma grande porção dos frutos destes trabalhos, e uma considerável parte do dia, são despendidas em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde constituem a preocupação dominante dentro do ‘ethos’ deste povo.

A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, e que sua tendência natural é a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é evitar essas características, através do uso de poderosas influências do ritual e da cerimônia. Todo o grupo doméstico possui um ou mais santuários dedicados a tal propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm vários santuários em sua casa e, de fato, a opulência de uma moradia é freqüentemente aferida em termos da quantidade destes centros de rituais que abrigam.

O ponto focal do santuário é uma caixa ou arca embutida na parede. Nesta arca são guardados os inúmeros feitiços e porções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais feitiços e porções são obtidos de vários curandeiros cujos serviços devem ser retribuídos por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as porções curativas para os fiéis, decidindo apenas os ingredientes que nela devem entrar, escrevendo-os, em seguida, em linguagem antiga e secreta. Tal escrita deve ser decifrada pelos herbanários, os quais, mediante outros presentes, fornecem o feitiço desejado.

O feitiço não é descartado depois de ter servido a seu propósito, mas colocado na caixa de mágica do santuário doméstico. Como esses materiais mágicos são específicos para certas doenças, e considerando-se que as doenças reais ou imaginárias deste povo são muitas, a caixa de mágica costuma estar sempre transbordando. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem sua serventia original, e temem usá-los de novo. Embora os nativos tenham se mostrado vagos em relação a essa questão, só podemos concluir que a idéia subjacente ao costume de se guardar todos os velhos materiais mágicos é a de que sua presença na caixa de mágica, diante da qual os rituais do corpo são encenados, protegem de alguma forma o fiel.

Embaixo da caixa de mágica existe uma pequena fonte. Todo dia, cada membro da família, em sucessão, entra no santuário, curva a cabeça diante da caixa de mágica, mistura diferentes tipos de água sagrada na fonte e realiza um breve rito de ablução.

Na hierarquia dos profissionais da magia, e abaixo do curandeiro em termos de prestígio, estão os que são designados como ‘homens-da-boca-sagrada’. Os Sonaciremas nutrem um misto de horror pela e fascinação por suas bocas que chega às raias da patologia. Acredita-se que a condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Assim, o ritual do corpo, cotidianamente realizado por todos, inclui um rito bucal. O rito consiste na introdução de um pequeno feixe de cerdas na boca, juntamente com uma espécie de creme mágico e, em seguida, na movimentação deste feixe, segundo uma série de gestos altamente ritualizados.

Além deste rito bucal privado, as pessoas procuram um ‘homem-da-boca-sagrada’, uma ou duas vezes por ano. No seu templo, este mago possui uma impressionante parafernália que consiste em uma variedade de perfuratrizes, furadores, sondas e agulhas. O uso destes objetos no exorcismo dos perigos da boca implica em uma quase e inacreditável tortura ritual do fiel e, usando as ferramentas citadas, alarga qualquer buraco que o uso tenha feito nos dentes. Se não se encontram buracos naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são serrados, para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na imaginação do fiel, o objetivo destas aplicações é deter o apodrecimento dos dentes e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do mito fica evidente no fato de que os nativos retornam, todo ano, ao ‘homem-da-boca-sagrada’, embora seus dentes continuem a se deteriorar.

Os curandeiros possuem um templo imponente, o Latipsoh, em cada comunidade, de algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para o tratamento de fiéis considerados muito doentes, só podem ser realizadas neste templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas também um grupo permanente de vestais que se movimentam nas câmaras do templo com uma roupa distintiva.

As cerimônias no Latipsoh podem chegar a ser tão violentas que surpreende o fato de que uma razoável proporção dos nativos realmente doentes, que entram no templo, consiga se curar. Crianças pequenas, cuja doutrinação é ainda incompleta, costumam resistir às tentativas de levá-los ao templo, alegando que ‘é aonde você vai para morrer’. Apesar disso, os doentes adultos não apenas desejam, como ficam ansiosos para submeter-se à prolongada purificação ritual, se possuem meios para tanto. Os guardiães do templo, não importa quão doente o suplicante esteja ou quão grave a emergência, não admitem o fiel se ele não puder dar um rico presente ao zelador. Mesmo depois que se conseguiu a admissão e se sobreviveu às cerimônias, os guardiães não permitem a saída do neófito até que este dê ainda outro presente.

O(a) suplicante, ao entrar no templo, é despido(a) de todas as suas roupas. Na vida cotidiana, os Sonacirema evitam a exposição de seus corpos quando das suas funções naturais. O banho e a excreção são realizados somente na intimidade do santuário doméstico, aonde são ritualizados, fazendo parte dos ritos corporais.

Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bem para fazer qualquer coisa que não seja ficar deitado em suas camas duras. As cerimônias implicam desconforto e tortura. Com precisão ritual, as vestais acordam a cada madrugada seus miseráveis crentes, rolam-nos em seus leitos de dor, em quanto realizam abluções, cujos movimentos formalizados são objeto de treinamento intensivo das vestais. Em outros momentos, elas inserem varas mágicas na boca do fiel, ou obrigam-no a ingerir substâncias que são consideradas curativas. De tempos em tempos, os curandeiros vêm até seus fiéis e atiram agulhas, magicamente tratadas, em sua carne. O fato de que estas cerimônias do templo possam não curar, ou até matar o neófito, não diminui de modo algum a fé do povo nos curandeiros.

Para concluirmos, deve-se mencionar certas práticas que estão baseadas na estética nativa, mas que dependem da aversão generalizada ao corpo e às funções naturais. Há jejuns rituais para fazer pessoas gordas ficarem magras, e banquetes cerimoniais para fazer pessoas magras ficarem gordas. Outros ritos ainda são usados para tornar maiores os seios das mulheres, se eles são pequenos, e menores, se são grandes.

Nossa descrição da vida dos Sonaciremas certamente mostrou que eles são um povo obcecado pela magia. É difícil compreender como eles conseguiram sobreviver por tanto tempo, sob os pesados fardos que eles próprios se impuseram. Mas, mesmo costumes tão exóticos quanto estes, ganham seu verdadeiro sentido quando encarados a partir do esclarecimento feito por Malinivski:

“Olhando de cima e de longe, dos lugares seguros e elevados da civilização desenvolvida, é fácil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas, sem este poder e este guia, o homem primitivo não poderia ter dominado as dificuldades práticas como fez, nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios de civilização.”

MINNER, Horace. American Anthropologist: Body ritual among the Nacirema. vol. 58 (1956), pp. 503 - 507.


Você reconhece essa comunidade? O que você achou do texto? Faça uma reflexão, mas tarde voltaremos a discutir sobre ele.